quinta-feira, 21 de junho de 2012

E, É CLARO, OS VINGADORES

As bilheterias mundiais me dizem que existem dois tipos de pessoa no mundo: aquelas que assistiram Os Vingadores e aquelas que estão mentindo, dizendo que não assistiram Os Vingadores. Sim, é um bom tempo para ser nerd. Ainda lembro como se fosse hoje da época em que esperava horas para a maldita internet discada baixar o primeiro trailer do primeiro filme dos X-men, seis minutos e meio da mais pura emoção. Anos mais tarde, é difícil ligar a televisão e não ver um filme baseado em alguma estória em quadrinhos. Não vou defender o gênero todo, mas Vingadores parece ter finalmente refinado a arte. O que tem para não gostar? Um roteiro que não é Mcbeth, mas que também não é retardado; efeitos de primeira; Samuel L. Fucking Jackson; Scarlett Johansson. Está tudo lá!


Bruxa!

Apesar disso, pelo menos para mim Os Vingadores trazem uma nota de tristeza particular. Ironicamente, só com a chegada da turma toda à tela grande foi que me toquei da distância da realidade daquilo. Por exemplo, isoladamente até dá pra comprar a idéia do Batman. Uma roupa de morcego, uma voz rouca, uma caverna convenientemente colocada embaixo da mansão e pronto, combate ao crime, aqui vou eu. A estória do Homem de Ferro já é mais complicada, mas vamos ser bobinhos por quinze minutos e fingir que o donut mágico no peito dele tem mais energia que um hamster ninfomaníaco que só come cocaína e só bebe redbull. Também vamos relevar o fato de que a armadura muito provavelmente teria virado confete depois dos primeiros tiros que tomou daqueles caças já no primeiro filme. Porra, até o Capitão América dá pra deixar passar, se não por outra coisa pelo menos porque ele não faz mal a ninguém.

Tá bom, Capitão, pode jogar seu escudo nas naves intergalácticas de guerra. Procure só não ficar no caminho do Homem de Ferro e do Hulk, tá bom?
Infelizmente, quando eles colocam todo mundo junto é que qualquer contato que aquilo pudesse ter com a realidade vai por água abaixo. Homem de Ferro, por exemplo, fez de um tudo pra ancorar os argumentos do filme no que os cientistas chamam de fringe science, mas quando ele começa a dar um cacete em um monte de alienígenas lado a lado com o Hulk e com o Thor, qualquer possibilidade de encaixar aquilo no mundo real vai pelo ralo. Por mais legal que o Thor seja.

Bruxo!

Porém, talvez justamente por isso o filme tenha dado tão certo. Em algum momento a Marvel deve ter olhado para alguma página no roteiro em que dizia “Thor, Hulk e Capitão América conversam com o Homem de Ferro no deck do porta aviões voador” e dito: realidade, por favor, passe no setor pessoal, seus serviços não serão mais necessários. Afinal de contas, quem iria querer Os Vingadores combatendo uma malévola corporação farmacêutica ou então um ramo corrupto do governo?


Contra Crepúsculo, talvez?...

De qualquer forma, a esperança não morreu. Números e um monte de espaço ocioso na minha cabeça me fizeram chegar a conclusão que super-heróis não apenas são possíveis, como já existem nesse mesmo Universo que ocupamos. Aconselho que vão tomar uma água, deem a pausa do banheiro e pequem um fôlego bom porque a viagem é grande agora. Sim, maior ainda do que a tese socioeconômica aí de cima.

De cara, o número mais importante que se deve ter mente é X, sendo que X está no intervado entre um porrilhão e o infinito. Básico, não é? O caso é que quando se fala em termos de Universo, os números são assim mesmo, grandes pra cacete. Se alguém aí ainda lembra alguma coisa da aula de ciências, quando ciências ainda era ciências mesmo, sem ser dividido em química, física e biologia, vai saber que uma galáxia é um conjunto de estrelas. “Quantas estrelas, professora Helena?” alguma criança remelenta, muito provavelmente o Cirilo, iria perguntar. Ninguém sabe. Vamos ver o nosso quintal, com a boa e velha Via Láctea, por exemplo. As melhores estimativas de cientistas que não tinham nada melhor para fazer indicam que existem entre 200 e 400 bilhões de estrelas só na Via Láctea. De repente o Sol não é lá tão grande coisa, não é?

Ok, temos uma base de quantas estrelas tem mais ou menos em uma galáxia. Então, pergunta aquele sujeito enjoado, querendo dar uma de gostoso, só isso? Claro que não, seu hipster desgraçado! Há galáxias por aí, a M87, por exemplo, com mais de um trilhão de estrelas. Certo. Então juntando duas galáxias, já temos o modesto número de cerca de 1,5 trilhão de estrelas. Afinal de contas, quantas mais podem existir? De acordo com a NASA, baseada nos dados do telescópio Hubble, o número de galáxias no Universo varia entre 120 bilhões e who the fuck knows. Desta forma, admitindo que todas as outras galáxias do Universo são mais ou menos do tamanho da Via Láctea e parando em 120 bilhões porque afinal de contas who cares depois desse ponto, é só inserir na calculadora 120.000.000.000 X 400.000.000.000, cujo resultado aproximado é:


Yep. O cálculo parece estar certo.


Mas o que é que matemática tem a ver com super-heróis, aqueles que aguentaram os números aí de cima provavelmente devem estar perguntando agora? A resposta, é claro, é probabilidade. Para quem não é íntimo de quadrinhos e que também não teve a suprema sorte de ver o filme, vou contar um pouco da estória do Lanterna Verde. Ou melhor, dos Lanternas Verdes.


Sério, se conseguiu escapar até agora, continue assim. É um dos poucos casos em que acho melhor alugar Crepúsculo para passar o tempo.
De acordo com os quadrinhos, os Guardiões do Universo, uma raça de anõezinhos azuis superpoderosos, dividiram o Universo conhecido em 3600 setores, designando dois Lanternas Verdes para patrulhar cada um. Alguma coisa como um BOPE do espaço. Ou seja, o Lanterna Verde que conhecemos do desenho da Liga da Justiça era apenas um de um grupo de 7200, coisa que deve ter deixado sua autoestima bem parecida com a do Sol quando fez as contas lá de cima. No meio de um Universo tão jumentosamente grande, por que não? Coisas mais estranhas já aconteceram, aqui mesmo na Terra, esse pedacinho de cocô de bactéria do cavalo do bandido cósmico.

Anyway, a parte mais difícil de aceitar ainda vem por aí: os Guardiões possuíam uma tecnologia anos-luz a frente de qualquer coisa que possuímos na Terra, se ano-luz fosse uma unidade de tempo e não de distância. Assim, não é um chute tão grande no escuro admitir que eles tivessem uma tecnologia um tiquitinho melhor do que a que foi usada no telescópio Hubble, que afinal de contas foi lançado em 1990. O que quero dizer é que há uma boa chance dos dados em cima dos quais estamos trabalhando estarem defasados e esta manga ser ainda mais difícil de chupar.


Pedaço de lixo!


Mesmo assim, vamos dar um desconto e admitir que o velho Hubão aí de cima fez um bom trabalho e fechou a conta do Universo em 120 bilhões de galáxias. Vamos ser mais generosos ainda e vamos presumir que desde a fundação da Tropa dos Lanternas Verdes até hoje os Guardiões do Universo abriram vaga para mais 400 setores espaciais, fechando a conta em 4000 e contratando mais 800 Lanternas Verdes.

MÃE, PASSEI NO CONCURSO! Bom, não é pra juiz, preciso que a senhora tenha a mente aberta...


Olha só que canja, agora cada dupla de lanternas tem só 30 milhões de galáxias para patrulhar. Cada uma com meio trilhão de estrelas e por aí vai a conta. Portanto, com probabilidades como essas, é bem razoável que existam sim Lanternas Verdes por aí. Eles só têm uma certa carga de trabalho acumulada antes de darem as caras na Terra.

O que provavelmente acaba sendo para o melhor. Afinal de contas, o bicho mais parecido que tem com o ser humano na Terra é o macaco e esse mesmo tem um sistema de valores que diz que é ok se defender jogando cocô em quem ele percebe como uma ameaça. Raios, se em nível planetário nós não conseguimos chegar a um consenso se está certo bater em mulher ou não (dica: não. Não está certo), quais as chances de sermos visitado por um super-herói de trilhões de anos-luz de distância parecido com o Ryan Reynolds (ou o Mark Strong, na falta do primeiro), com um sistema de valores parecido com o nosso? Novamente, a matemática indica que sim, existem Lanternas Verdes, mas o do nosso setor muito provavelmente vai ser parecido com esse cara:



Nosso salvador!

Sim, os autores tiveram a visão de imaginar que nem toda forma de vida vinda de um planeta distante tem o abdome de tanquinho e lindos olhos azuis. Esse carinha aí em cima é um vírus da varíola espacial ou alguma outra bobagem dessas, elevado à categoria de membro da Tropa dos Lanternas Verdes. E eu aqui, me sentindo todo pimpão por ter pego a faixa roxa... Enfim, se o responsável por esse setor chegasse aqui, é bem provável que não entendesse chongas do que costumamos classificar como moral e resolvesse que o planeta estaria melhor arranjado sem essa confusão chamada “vida multicelular” a qual nos acostumamos, devolvendo tudo ao lodo primordial em questão de meses. Ouso dizer que ele não ia precisar nem do lance de Lanterna Verde, só o detalhe de ser basicamente uma doença espacial resolvia o caso.

Em conclusão: não é que super-heróis não existam. O caso é que a matemática, não contente em foder com nossas vidas na escola, insiste em foder com nossas fantasias até depois de adultos. E não de um jeito legal.

P.S: Não poderia, em sã consciência, terminar um post sobre Os Vingadores sem incluir uma menção honrosa sobre a caridade dos roteiristas em incluir o Gavião Arqueiro no elenco, um sujeito cujo único poder é usar uma arma que ficou obsoleta com a popularização da pólvora. Talvez no próximo eles incluam o Speedball, um cara cujo poder era quicar quando davam uma porrada nele, tipo uma super bola de frescobol.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

EM ALGUM PONTO NO SÉCULO VINTE




- Alô?...

- Boa tarde. Com quem eu falo?

- Com quem você deseja falar?

- Bom, isso pode parecer estranho, mas queria falar com o Diabo.

- Estranho mesmo é que aqui é o Diabo falando. Como você conseguiu esse número???

Para fins de narrativa, favor imaginar outro Diabo.

- O DIABO? Assim, de primeira? Putz, graças a Deus! Epa, quer dizer, sem ofensas...

- Não por isso. Mas como é que você conseguiu esse número???

- Google.

...

- Alô?

- Não, não, ainda estou aqui... Só estou sem acreditar nessa situação...

- De eu ter encontrado seu número no Google?

- Não, nisso até que eu acredito, pensando bem. O que não acredito é no fato de eu, Senhor das Trevas, Lorde da Escuridão, Fonte de todo Mal, passado da casca do alho, ainda estar nessa situação. Mas no fundo no fundo sabia que ia dar nisso. Isso é o que dá contratar família. Desde que contratei Ganesh, o demônio sumério da miséria, como encarregado da TI, sabia que ia dar nisso. Mas, sobrinho da minha esposa e coisa e tal... Devia ter terceirizado esse negócio e pronto...

- Olha, desculpa aí se causei algum problema...

- Não, que é isso, eu até que agradeço por apontar as falhas. E outra, se não é com você é com um outro qualquer. Juro, nunca vi isso. Tenho certeza que você não arranja o telefone do presidente do Google no Google. Mas do Diabo, em vinte minutinhos tá na mão.

A Mão Direita de Deus!
 - Na verdade foram cinco minutos.

- suspiro -

- Alô?...

- Ainda estou aqui. Bom, já que é o caso, como posso ajudá-lo?

- Nossa, isso está sendo mais fácil do que pensei. O senhor não era para ser um pouco mais, sei lá, malévolo que isso?

- Tipo, fogo e enxofre? Como você faz “fogo e enxofre” pelo telefone?

- Ué, sei lá... Você podia fazer minhas paredes sangrarem ou coisa assim...

Parecendo cansado – Você quer que suas paredes sangrem?...

- Na verdade eu estou falando de um celular, dentro de um shoping.

Perdendo a paciência – Olha meu rapaz, se isso é um trote, vou pedir que não ligue mais para esse número!

- Não, desculpa, Vossa Excelência! Sabe como é, não é todo dia que a gente fala com o Diabo em pessoa, estou meio nervoso, é minha primeira vez nesse negócio.

- E que negócio seria esse?

- Ora, o negócio do Diabo. Quero vender a minha alma, é claro.

Desliga o telefone.

Toca o telefone de novo – Alô?

- Sr. Diabo, a ligação deve ter caído! A TIM tá horrível!

Um dos flagelos de Deus na Terra dos homens.
Perdendo um pouco mais a paciência – Afinal de contas, quem está falando? Isso é um trote do Malaquias, não é? Já começou sem graça e estou começando a me irritar!

- Não, por favor, Vossa Ruindade! Sou eu de novo, o rapaz que quer vender a alma.

- E como é o seu nome, posso saber?

- Mendes, Sua Grandeza.

- Ok, “Mendes”, pode parar com os títulos. Acho que começamos com o pé errado. Vamos tentar de novo. Então, quer dizer que você quer vender sua alma, não é?

- Isso.

- E de onde foi mesmo que você tirou esse idéia?

- Ora, da Bíblia... Não é o senhor que compra as almas para dar três desejos?

- Mendes, tem certeza que isso não é um trote?

- Tenho sim senhor.

- Você bebeu ou cheirou alguma coisa, Mendes?

- Não senhor.

- NÃO MINTA PARA MIM, MENDES!!!

- Nunca, senhor!
Você não gostaria de me ver com raiva, Mendes!
Suspiro – Então vamos lá, vou explicar o quanto você está errado desde o começo. Em primeiro lugar, essa história de “vender a alma ao diabo” começou com uma estória do século dezesseis em que um sujeito chamado Fausto faz um pacto comigo para viver mais, ser jovem ou algo do tipo. É uma estorinha bem bonitinha e tudo mais. Na época achei divertido o tom que o autor deu e pra dizer a verdade gostei de fugir um pouco do personagem malvado e assustador, para virar esse sujeito que distribui presentes. Se soubesse a dor de cabeça que isso ia me dar, tinha mandado a AIDS ao mundo com uns séculos de antecedência.

- Veja bem, achar que o Diabo é uma espécie de comerciante de almas baseado em um poema de mil sei lá quantos é a mesma coisa que alguém do futuro achar que o crime no século vinte estava em cheque apenas por conta da incansável atuação das Tartarugas Ninja e do Robocop. É uma coisa que hoje parece retardada, mas olhando lá do futuro simplesmente vai se misturar com o que se produziu na época. E como o povo do futuro provavelmente vai ter menos paciência ainda de checar a história do que você teve de ler a Bíblia antes de me ligar, acho que é bastante razoável que no futuro a humanidade esteja rezando para Leonardo, Michelangelo, Rafael e Donatelo. E para os errados, ainda por cima!

- Depois tem a questão dos três desejos. Tem certeza que não está bêbado? Isso é algo que um gênio daria, não o Diabo!

Acima: ainda não é esse tipo de Diabo.
 - Para terminar, por que em nome de mim mesmo eu iria comprar sua alma??? Sério, reflita por dois minutinhos: onde é que você acha que gente que tenta (só tenta, não precisa nem mesmo conseguir) vender a alma ao Diabo vem parar no final das contas? É só uma questão de esperar até você bater as botas e pronto. Considerando a expectativa de vida humana e a relatividade do tempo para mim, é mais ou menos o tempo de eu ir no banheiro e voltar. Você tem internet, não tem? Então, em termos que você entenda, está tentando me convencer a comprar pornografia quando pornografia tem aos montes e de graça. Eu precisaria ser mais burro que você para aceitar esse negócio.

- Não, peraí, vamos supor que eu mudasse de vida...

- Mudasse de vida? Que você começasse hoje a cuidar de filhotinhos leprosos e cuidasse deles até que ficassem saudáveis o suficiente para serem treinados como cães guia para crianças cegas e manetas? E daí? Só estaria fazendo isso para aumentar o valor de mercado da sua alma, o que acho até que seria pior. Aliás, Mendes, isso seria tão errado que provavelmente teria de criar um inferno novo só pra acomodar você.

- Mas antes que você se incomode em fazer isso e para o meu próprio bem, me sinto quase que na obrigação de dizer “não”. Não faça isso. Mesmo que a sua alma fosse a Ferrari das almas, a última bolacha no proverbial pacote desse valor abstrato que separa o ser humano dos animais (coisa que pelo que estou vendo não tem nem perigo), eu lhe responderia com um desinteressado: e daí? Nesse tempo todo que estou no mercado, e lhe asseguro que estou no mercado há muito mais tempo do que possa imaginar, acha que já não tenho de tudo? Que já não ensaquei almas muito melhores que a sua? Mendes, o que raios eu faria com uma alma mal ajambrada feito a sua? Provavelmente ficaria jogada em um canto, pegando poeira e tomando espaço na garagem. Em resumo, não, obrigado Mendes, pode ficar com sua alma.

- Pôxa vida, e eu aqui pensando que o Diabo era um sujeito camarada...

- Sério? Que o Diabo, o PRÓPRIO DIABO, era um sujeito camarada? Sem entrar no mérito disso, no mínimo posso lhe lembrar que estou aqui lhe apontando pacientemente as implicâncias e impossibilidades de transacionar em relação a sua alma e você ainda me acusa de não ser camarada??? – balança impacientemente a cabeça, segurando o telefone como se quisesse enforcá-lo – Tá certo então, Mendes. Você quer vender sua alma. O que quer em troca?

- Tá falando sério???

- Mendes, eu tenho todo o Inferno e o Piauí para administrar. Você tem mais dez minutos.

- Desculpa, eu tinha isso tudo ensaiadinho, mas o senhor me pegou de surpresa agora... Ai, o que pedir, o que pedir...

- Cortei cinco minutos seus Mendes.

- Não, não, peraí, já sei: eu quero ser famoso.

...

- Alô???

- Contra o meu melhor julgamento, ainda estou aqui. Certo, você quer ser famoso. Quer ser famoso pelo quê?

- Como assim?

- Ora, quem é famoso é famoso por conta de alguma coisa. Albert Einstein era um gênio. Marilyn Monroe era bonita. Elvis cantava bem. Você tem algum traço que lhe defina?

- Bom, não, pensei só em ficar famoso e o senhor cuidava do resto...

- Mendes, para que mesmo você quer ficar famoso?

- Aaaaahhh, sei lá, parece ser bacana.

- “Parece ser bacana”??? Você está disposto a passar a eternidade queimando no fogo do inferno por uma coisa que “parece ser bacana”??? Não passou nem do estágio em que a situação é superficialmente interessante antes de pensar em vender sua alma ao Diabo???

- Bom, com o senhor falando assim parecer meio burro mesmo...

Novo apertão no pescoço do microfone. As plantas no escritório murcham, vulcões no inferno explodem e os condenados gritam com um pouco mais de agonia. Afrouxando o nó da gravata, Satã se serve com uma dose de whisky e se senta em sua cadeira, derrotado.
Assim, mas com aspecto derrotado. E com chifres.
- Alô, Mendes? Ainda está aí?

- Sim, estava até com medo, pensei que a ligação tinha caído de novo.

Uma lágrima (raiva, decepção, tristeza???) rola na bochecha do Diabo – Não, só precisava de um tempo para me compor. Sabe, Mendes, vou desabafar com você: o que muita gente não percebe ou que parece ter se esquecido é que o Inferno é um castigo tanto para quem vem para cá quanto para mim. Olha só a gente: eu posso muito bem desligar esse telefone e me livrar de você. Por hora. Mas aí, daqui há um ano, dois ou vinte – BUM – você morre, vem pra cá e eu tenho de te aguentar durante o resto da eternidade. Nas palavras do imortal Rorschach, eu estou tão preso aqui com vocês quanto vocês estão presos comigo. E como já morreram, a única coisa que posso fazer é com que gritem mais alto. E você sabe o quão chato é gente gritando, vinte e quatro horas por dia? Pior que isso: sabe quantos Mendes já vieram para o Inferno ao longo dos séculos?

- Tipo, quantos parentes meus?

- Tem certeza que isso não é trote?

- Tenho sim senhor.

Suspiro – Ok então. Olha Mendes, vou ser sincero. Gostei de você. Nem quero sua alma nem nada não. Vou dar um jeito de você ser famoso por absolutamente nada. Nem que seja só para você me tirar da sua cabeça. Aí na hora da sua morte, Deus que te carregue, porque aqui não dá. Até o Inferno tem de manter um certo padrão.

- Poxa vida, mas que legal, Sr. Diabo! Vou fazer de tudo pra não decepcionar, o senhor vai ver! E aí, como é que a gente faz?

- Busque pelos sinais, Mendes! Busque pelos Mendes do mundo ficando famosos sem ter absolutamente nada para mostrar! Busque pelo fascínio do público por gente absolutamente ordinária! E acima de tudo, arrume uma câmera e se prepare para o Big Brother!

E o sétimo selo se abriu, revelando uma besta com doze cabeças. E em cada cabeça três coroas. E em cada coroa sete pontas. E em cada ponta nove ametistas. E de cada ametista partiam nove raios que... Peraí, quantas cabeças eram mesmo???